Tuesday, October 02, 2007

De quando encontrei - e enfrentei - Bukowski

foi numa destas tardes oníricas, na casa de um amigo, que conheci o maldito Bukowski. ele tava sentado sobre um daqueles armários de chão, sujo e maltrapilho como o traço de Crumb - aquele mesmo que saiu do underground pra virar uma diva do mercado editorial.

meu amigo tava em seu computador, distraído e indiferente. Bukowski era um velho desprezível, com cheiro de buceta e uma garrafa de vodka barata. saudei-o:

-olá senhor! não o conheço.

-um bosta como você merece o anonimato, ele respondeu furioso e incoerente.

puxei sua garrafa e dei uma talagada extrema. o líquido queimou horrores e não escondi um estertor terrível.

Bukowski riu e disse assim: "cê não é macho o suficiente, meu chapa", ao que eu falei: "não ligo de não ser macho, senhor macho", e ele riu novamente. ao final da risada ficou me olhando com seu característico olhar homofóbico.

ao lado daquele lixo geriátrico, uns livros empilhados. peguei o primeiro, seu nome estava lá: Charles Bukowski  eu ainda não sabia quem era ele.

peguei o primeiro livro e li um trecho. era autobiográfico e foi uma das coisas mais lindas que li em vida. as palavras tinham dentes e o discurso por trás delas uma sinceridade vivaz, uma boca contundente e de instintos sagazes.

e tinha uma imagem de um velho lá e foi assim que reconheci que o velho em cima do armário era Bukowski.

-você escreve bem demais, senhor

-não venha me adular, seu bixa! essa sua pose feminina é o seu medo de ser macho. covarde!

o desgraçado tinha força. não reagi. o vi indo embora, deixando um rastro etílico que semeava nos azulejos a discórdia e a divindade.

fiquei chocado, por dias...

e anestesiado também. lia os livros do escritor maldito. ele era careta, homofóbico, machista, mal-educado, ególatra e fodia mal pra caralho. mas, como ele mesmo dizia sobre outros escritores, não tinha medo do sentimento. isso que fazia ele te envolver. Bukowski era uma porra dum cão sarnento atraente.

pelas suas idéias, deveria ser leitura obrigatória para os tradicionais homens, machos do século XX e XXI, dotados de uma caretice redentora  para eles. eu não sou desses homens. até acho que seria melhor eles se ferrarem.

só acho que salvaria Bukowski. velho sacana e maldito.

em outro dia, eu tava cambaleando de álcool, debaixo da passarela metálica. velho e amado corredor alcoólico, as estrelas dos postes brilhando, s carros acenando e a infinita avenida para peregrinar. eu fumava um lucky strike.

surgindo do poste, aquele diabo velho e angelical. um velho e uma puta gorda e feia. macho fodedor, que traça qualquer uma. velho safado. Íamo-nos cruzar.

nos cruzamos. ele nem me olhou. tava fodendo a puta em pensamento. suas mãos entravam na bunda dela. apaguei o cigarro na palma da minha mão e furioso falei: "seu velho duma figa. veja o rosto odiado por você, aqui gritando". ele se virou, a velha fúria bêbada: "seu merda, qué qui há? tou indo fazer o que cê num tem coragem. vou meter, meter bem mesmo, nessa puta".

minha carteira fluiu direitinho até minha mão direita. dei à puta umas dez vezes mais dinheiro que ela ganharia chupando o velho e mandei-a embora.

-cê num poder mandar minha puta embora assim! o que cê quer, que eu coma seu cu?

-não, seu velho desgraçado. só queria te falar que você não é muito diferente da porra da humanidade de quem se distancia quando escreve. você caga, mija, peida, arrota e tem medo, muito. medo do sentimento... claro! como me deixei iludir?

Bukowski olhava por dentro de mim. estava esperando começarem os murros e o sangue. eu estava disposto praquilo. no entanto, não foi o que aconteceu. ele se limitou à pergunta: "é só o que tinha a falar?"

eu queria dizer mais. falar que em suas autodefesas ele tentava se achar mais do que era. que em sua visão do mundo, ele hierarquizava tudo e todos através de valores ultrapassados. e, principalmente gritar-lhe: QUE SER VIADO NÃO É COVARDIA ALGUMA! E QUE INCLUSIVE, VOCÊ NÃO CONSEGUE DEIXAR DE CONTAR HISTÓRIAS SOBRE SUAS BIXAS.

mas, seu olhar inutilizava minha atitude.

-não- respondi sério.

-neste caso, tou indo atrás da minha puta. só quero te dizer uma coisa: ninguém sabe o que já vivi nessa droga de vida. pra cê ser que nem eu tem que estar preparado, ser um taco de beisebol manejado com raiva. cê tem que fumar cigarros pesados, beber conhaque num só gole e ainda assim se manter em pé. tem que ser esperto, caralho e não essa bixa que você é! espero nunca mais cruzar contigo na rua.

merda, merda, merda, pura merda. deixei-o ir, atrás de sua América de 150 quilos. Bukowski era um fodido, perdido - não adiantava tratar com alguém tão estúpido e cabeça dura.

sentei-me no chão, curtindo as metáforas visuais do álcool.

nem vinte anos, bêbado, apaixonado e fodido. pronto pra quebrar a cara e lamber meu próprio sangue.

ah, Bukowski... às vezes ce parece saber o que é mesmo a vida.

Poesia Incoerente

Sua crença é sua traição. Ao se depositar fé em um elemento, está se abrindo o caminho para o desengano. Sendo assim, tudo tende ao desengano – a vida é a grande incerteza.

O significado é uma construção. A liberdade é um termo de significação complexa e irrequieta – liberta de significado definido, como todas as palavras. Para alguns, muitos jovens, a liberdade é a utopia de uma vida perfeita. É duro reconhecer, ainda mais quando se é jovem, que a liberdade pode ser um medo, não uma alegria.

Eu venderia minha liberdade por abraços apertados, um choro de Amor e um beijo pleno.

A dor psicológica, a dor da moral, é o mar de incertezas que te clama a se afogar. Os focos da vida ficam todos misturados, por essa moral feia, dita bonita pelos bons homens... Como seria bom poder me aliviar numa orgia entre irmãos.

Essa dor me rouba a vida de uma maneira que eu não podia aceitar para um jovem promissor. Se eu faltar com meu trabalho e lhe dissesse a verdade... o que você pensaria?

Eu faltei, eu realmente fui omisso, eu deixei ácaros pelo chão... Perdoe-me, passei a noite dentro de uma caverna de opressões, aprendendo nada sobre a Dor Interminável, o grande sentimento deste mundo.

amor X DOR INTERMINÁVEL
(comparação quantitativa)

Duas maneiras de eliminar a Dor Interminável:
a) Fazer como seus pais, limitar a vida. Dentro de limites, a vida se torna confortável, e se como eu você for um semi-fracassado, acaba por se tornar uma segurança de que coisas mais desagradáveis surgirão.
b) Esqueça que a Dor Interminável exista; alguns conseguem, outros limitam sua vida – em casos extremos, o limite termina com a própria vida.

A esperança, essa nunca morre, ora essa.
A esperança pode ser a grande espera, mas pode ágil às vezes. Decerto, a esperança é a grande faca de dois gumes da existência: te apunhala ou te ajuda a cravar a chance. Cada um conta com sua sorte e experiências sobre o assunto.

A desigualdade é importante. A desigualdade pode ser um peso ou uma leveza. Sorte sua se for uma leveza.

Já acreditei em muita coisa pra aliviar o peso da minha existência. Sinceramente, é a coisa mais patética que existe. Mas, para você senhor pateta, digo:
- a vida acaba, logo, logo... estes tempos, ah, estes tempos... não foram diferentes dos outros tempos... os tempos são desiguais, mas as conjunturas básicas, nunca...
- é tudo um esquema pra você se sentir cada vez pior, mas, se você se sentir melhor assim mesmo, todos te aplaudirão.

A irmandade e a família são vírus anti-liberdade. Quando falar que gosta de liberdade, lembre das irmandades em sua vida e veja se abraça tão bem a liberdade.

A liberdade não condiz com o mundo. Assim, é tanto um crime quanto um antídoto.

Eu venderia minha liberdade por abraços apertados, um choro de Amor e um beijo pleno.

Esta passividade ancestral, contraposta à excitação corporal, é uma das angústias do homem moderno.

Anseios, anseios, anseios.

Eu tenho a liberdade nas mãos, mas não sou livre. Minha vida é pesada.

Já acreditei em muita coisa pra aliviar o peso da minha existência. Sinceramente, é a coisa mais patética que existe. Mas, para você senhor pateta, digo:
- a vida acaba, logo, logo... estes tempos, ah, estes tempos... não foram diferentes dos outros tempos... os tempos são desiguais, mas as conjunturas básicas, nunca...
- é tudo um esquema pra você se sentir cada vez pior, mas, se você se sentir melhor assim mesmo, todos te aplaudirão.

Não haverá aplausos, não neste âmbito.

A vida foi feita para ser morrida.

– em casos extremos, o limite termina com a própria vida.

Morrer, a atração é forte, mas o mistério assusta. A intenção é o não-pensamento, o não reflexo: objetivo de vida de boa parte das pessoas.

É o meu objetivo.


Marcelo Oliveira Lima
1989 – 2007
“Nunca livre, na morte uma esperança”

Não pude fazer muito, mas tenho torcido pelo fim das convenções sociais. Como ouvi uma vez, as pessoas merecem sofrer menos.

A conclusão é de Allan Sieber.

A morte ainda não fez seu efeito, mas tenho esperanças de que a Dor Interminável termine.
A morte é uma faca de dois gumes...