Friday, January 05, 2007

Perdendo peso - Um Milagre Natalino

Subiu na balança e fechou os olhos, com medo de ver o resultado que veria no mostrador próximo a seus pés. Tremia de nervoso, embora uma pontinha de esperança o acalmasse, pois, lembrava bem, trabalhara arduamente até este fatídico dia. E ia se lembrando de cada uma das provações das últimas semanas...

Tudo começou com uma estranha resolução da ONU, aprovada pela OMS, mas que era ligada à OMC e que, pra variar, só foi levada em frente por causa de interesses norte-americanos. A tal resolução era um fator limitante à proliferação da obesidade... dos papais-noéis! Nos salões de discussão da ONU houve muita polêmica entre os países cristãos, sendo que a maioria não aceitava tal proposta. “Ora, teremos agora um Papai Noel atleta, halterofilista e pegador? Isto é uma perversão do símbolo infantil!”, protestou o representante brasileiro. “E as típicas roupas pomposas que nós fazemos? Todo nosso luxo vai pelos ares. Oh, ma coquette!”, reclamou o representante francês. “Daqui a pouco vão proibir o Papai Noel de usar renas, por causa do direito dos animais, e de andar com duendes, porque eles vivem em óbvio regime de escravidão”, foi a vez do representante espanhol. E os outros insatisfeitos criticaram, se exacerbaram, espernearam e discursaram como se fossem os donos da verdade... até a chegada dos representantes da Inglaterra e dos Estados Unidos, quando todos se calaram. O segundo tirou o paletó e deu ao primeiro para segurar, se dirigiu a um palanque que tinha ali perto, sorriu muito e falou eloqüente: “Olá caros colegas! Parece que está havendo uma pequena confusão aqui, my friends. Deixem-me explicar porque essa resolução tem de ser aprovada. Pesquisas deste ano confirmam que 60% das crianças americanas estão acima do peso em níveis mórbidos. Bastante, não? O Natal está chegando aí e as crianças entupirão os shoppings para comprar seus presentes, e sentar no colo do Papai Noel. Eles o chamam de bom velhinho, ou seja, ele é um exemplo para os meninos que o procuram. E ele é obeso, então o que podemos esperar? Mais crianças gordas!”. O norte-americano convenceu poucos. “Se elas estão mais gordas é por causa dos seus hambúrgueres gigantes e refrigerantes homéricos. Sou contra isso! Sou contra a estratégia norte-americana!”, gritou o representante da Bolívia, ao que outros se uniram em coro. O americano ficou olhando, analisando calmamente a situação, senhor de toda aquela discussão. Quando se fez algum silêncio ele voltou a falar, resoluto: “Se o Papai Noel não emagrecer, faremos sanções comerciais a todos os países que conosco comercializam”. Todos se calaram de repente. O norte-americano sorriu :D


Desde então, ficou decidido que para ser Papai Noel era necessário ser magro. A Associação de Papais Noéis Que Fazem Bico No Natal (APNBN) prometeu uma greve, mas como não eram assalariados desistiram antes mesmo de haver uma reunião entre as partes interessadas. Não teve jeito, naquele final de ano as academias de todo mundo cristão ou de tradição capitalista estadunidense foram inundadas de bons velhinhos.
Um desses bons velhinhos foi o feirense Lindalvo. Ele era o famoso Papai Noel da Feira de Santana, que havia descido de helicóptero e tudo no Shopping Iguatemi. Ele começara sua carreira no Shopping Jomafa e em pouco mais de dez anos de profissão contabilizara cerca de dez mil crianças beijadas. Muitas pessoas que tiraram fotos quando criancinhas voltavam sempre ao Iguatemi para vê-lo, e alguns sentavam novamente em seu colinho fofo. Neste ano, seu colinho deixaria de ser fofo.
Lindalvo resignava-se muito fácil, embora chorasse escondido todas as noites. Quando lhe veio a notícia que deveria emagrecer, custou pouco a acreditar, e no dia seguinte já estava na malhação. Ele estava a dois meses do Natal e precisava diminuir 20% do seu peso.
Se embananou todo. Na primeira andada na esteira, não suportou a velocidade imperiosa e tombou feito um saco de laranjas, rolando sobre a máquina como a bolinha que era. Quando foi para a bicicleta, demorou um minuto para superar o peso nos pedais e quando foi dar o primeiro giro se atrapalhou e tirou o pé, que foi acachapado pelo pedal que vinha atrás, machucando o calcanhar de seu Lindalvo. Para completar o típico desastre, ele derrubou os pesos que tinha de carregar com as mãos sobre seus pés.
Naquela noite, Lindalvo chegou moído e triste em sua casa. Abriu a porta e falou: “Boa noite, meu amor. Tou morrendo de fome. Soprou ensopado do almoço?”, e então sentou-se na poltrona. O amor de seu Lindalvo era Mariana, uma mulher tão gorda quanto ele, mais nova uns dez anos (ele possuía quase sessenta), de cabelos curtos e esparsos - quase careca - e rosto ríspido. “Ensopado é o que deseja, meu a-m-o-r-z-i-n-h-o?”, perguntou com o falso carinho que enganava Lindalvo, sorridente por ter uma mulher tão boa. “Claro, minha coisa fofa :D”. Mariana veio se aproximando, rebolando sua bunda gorda, se inclinou sobre seu “coiso fofo” como se você fosse beijá-lo mas o surpreendeu com um: “VOCÊ VAI TOMAR CAFÉ PRETO COM UMA FATIA DE PÃO INTEGRAL!!!”. O rosto de Lindalvo se contraiu como se tivesse sido puxado por pinças e depois voltou ao normal. “A-a-a-a-morzinho... eu tou cansado e tenho fome”. “E PRECISA ARRUMAR UM EMPREGO, ALIÁS O ÚNICO EMPREGO QUE VOCÊ CONSEGUE TODO ANO E QUE ME ARRANJA DINHEIRO PARA COMPRAR MEUS POUCOS VESTIDOS DO ANO TODO! SE EU NÃO TIVESSE O TRABALHO NO SUPERMERCADO NEM COMIDA AQUI TERÍAMOS!!!!!”. E agora até o vaso de flores que ficava ao lado da poltrona voou com tudo e se espatifou no chão. Lindalvo, covarde, responde: “Tudo bem môzinho, he...”
E nessa dureza ele ficou pelos dois meses de academia a que teve se submeter. Sonhava, enquanto se exercitava olhando para o espelho que ficava na frente dos aparelhos de ginástica, com sarapatel, feijoada, lasanha, macarronada, acarajé, refrigerante, sundae, sorvete de oito bolas, pizza de calabresa, picanha, churrasquinho na brasa, doce de leite, doce de banana, doce de goiaba, doce de caju (ai, o doce de caju!), vatapá, caruru, farofa de água, strogonoff, moqueca de camarão, cheeseburguer, misto, tanta coisa ele queria. Após o Natal ia justificar a mulher que tentaria ser Rei Momo, para ela o presentear com banquetes dignos de uma verdadeira pança. Tanta comida o deixava muito esperançoso...

Lindalvo descobriu então seus olhos e encarou seu peso... estava bem mais magro! Mas não o suficiente... faltavam dois quilos para alcançar a marca necessária exigida pela OMS. O velhinho caiu de joelhos e chorou tsunamis de lágrimas desesperadas, parecendo um neném. O agente de saúde que era responsável pela sua ficha, um jovem de uns 23 anos, veio acudi-lo. “Calma meu senhor, deixe-me ver seu peso”. “Estou dois quilos acima... Oh, não poderei continuar sendo um bom velhinho... Buááá”. O jovem o acarinhou e falou: “Que é isso, meu bom velhinho? Como falam os artistas, o show não pode parar. O que são dois quilos a mais? Pode sair pela porta, e faça de conta que tudo rolou bem por aqui ;D”. “Mas é um milagre natalino... Oh Deus! Muito, muito obrigado!”, abraçou o menino, “Precisava muito deste emprego, obrigado garoto... Vou saindo”, e ele foi andando feliz até a porta. O garoto sorria dentro da sala, feliz. Pegou o relatório de seu Lindalvo e assinou como se ele tivesse os 78 kg exigidos. E aí, foi até uma gaveta e tirou um porta-retrato. Emoldurada, a imagem dele com um homem vestido de Papai Noel. Era seu Lindalvo. E agora, seus filhos iriam também ter a chance de encontrar o bom velhinho.