Mesmo morta, ela tinha o perfume que os anjos deviam ter.
Minha garota estava no chão, vestida para matar, com sua cinta-liga, corsete e lingerie preta habitual. Sua pele branca, entrelaçada com o negro das roupas, era sufocante de se ver – sua beleza ofuscara minha visão por todos os anos que passamos juntos.
Seu corpo não estava tão branco quanto eu imaginava... e isto me sufocava ainda mais...
Algum animal carniceiro mordera-a, deixando roxo e amarelo seu pescoço, seus seios, sua barriga... e bem acima do umbigo deixara sua marca, dois chifres não-pontiagudos, parecidos com raios. Aquele era o símbolo de Agat, o Demônio da Carne.
Peguei minha katana e me dirigi à porta, e antes de atravessá-la, desabei. Lágrimas, as recorrentes lágrimas do desespero. Olhei para trás e vi aquele corpo que já fora meu e há pouco fora de outro. Como pôde ela ter morrido sem que eu nem visse nada? Havia três semanas que nós não transávamos e aquele monstro usufruíra o corpo prosolar dela... Como sempre, sinto minha tensão sexual aumentar, só de olhar minha mulher de ouro... Mesmo morta, só desejo ir para a cama com ela... Mas não terei mais chances de tê-la, de ter aquilo de mais secreto, íntimo e prazeroso que tivemos... Agat merecia a morte.
Andando pelas ruas da cidade cinza, minha alma pesou como uma bigorna. Pessoas se apertavam, caçando cérebros, caçando prazeres, caçando sexo. Ninguém procurava a verdadeira emoção. Eram todas pessoas com medo do verdadeiro sentimento. Eu, que conhecera a fundo o Amor, sabia daquele Vazio que proliferava entre os seres urbanos.
Eu caminhava, procurava Agat, só que não sabia onde ele morava. Sentei na mesa de um bar, eu gostaria de saber o que fazer. Lembrar do meu anjo só cortava e recortava meu pobre coração... Apesar dos pesares do nosso relacionamento, minhas inconstâncias, nossas incompatibilidades e seus desejos avançados, fora um bom relacionamento. Pena, ela ter morrido sem que me desculpasse de meus erros e sem que transássemos pela última vez.
Já começava a imaginar Agat a dominando, provavelmente ela tinha até gostado, até a morte. Então, concentrei-me e senti sono. Resolvi adormecer os sentidos.
Eu estava voando sobre um dragão chinês e entrei em um palácio japonês com decoração coreana. O dragão chorava, dizia-me que morreria através do sonho de alguém. Não entendi o que ele quis dizer mas me padeci dele. Eu estava num grande salão, o dragão me deixou em frente a um portal que se estendia em um correr e me falou: “Siga em frente. Agat o espera”. Voltei-me, eu olhava o horizonte do corredor, e esbravejei: “Servo de Agat, como ousas...?”. O dragão já tinha ido embora.
Adentrei o corredor, iluminado por archotes, e sentia a respiração de Agat ao fundo. Nas laterais do corredor estavam pintados demônios orientais, xingamentos ocidentais e cenas do inferno. Tremendo, de raiva, vingança e apreensão, atingi o final do corredor.
Entrei em um apartamento típico do hemisfério oeste do globo. Estava numa sala onde não havia mobília, nem luz elétrica, apenas uma janela por onde entrava o luar, fraco. De repente, um raio desceu os céus e iluminou brevemente o ambiente e eu vi uma forma disforme no canto da sala. Ela pareceu possuir chifres.
“Agat!!! Vim me vingar pelo que fez com minha mulher! Vou te matar!”
A voz cavernosa bramiu: “Se queres ser ouvido, falas mais lentamente, guerreiro!”
Meu ponto fraco, aquele monstro me provocava, enquanto rangia sua dentição e preparava o bote. Expus-me a seu plano, lançando-me contra ele, sem medo, com ousadia. A katana suingou, apalpando o ar, mordendo o veludo e errando desastrosamente o alvo dela. Como tudo que passava desde a morte de minha amada, eu só enxergava sombras e mais sombras, imateriais e inexatas no espaço. Elas pareciam reflexos do que eu não conseguia aceitar.
Após bailar rodeado por fulgurantes sombras, percebi-me tonto e tentei me apoiar na parede. E então, minha coluna rachou como concreto e eu senti o peso dos anos e das culpas. Como sempre, um problema fisga o outro, e meus dentes despencaram, minha orelha desatinou a ruir, meu joelho cedeu e eu caí de joelhos. Agat gargalhou, e archotes queimaram, um a um em uma longa fileira de tochas. Cada fonte de luz revelava um pouco de meu inimigo: primeiro seus joelhos e pernas, estava ajoelhado; seus braços e mãos, como as de humano; cabelo...?!?!? Nenhum chifre; torso, estava de jeans e camisa preta como eu; rosto...
CHOQUE
Era meu rosto, eu também estava ajoelhado, com minha katana de lado.
“Ora, és o Demônio da Carne, assumir formas não é incomum para tu!”
Agat estava impassível. Gritei e tentei me levantar, mas minha carcaça debilitada era uma estátua. O terrível ser a minha frente sorriu com desdém – e droga, eu não conseguia ver seus olhos, apenas buracos negros. Ele devia ter rido, enquanto comia minha mulher!
A espada, a outra katana semelhante a minha, foi empunhada contra seu próprio dono. Harakiri...
SLASH!!!
Sangue em conta-gotas deslizou pela camisa preta e atingiu o chão. E o solo, como uma chapa quente, fervilhava o líquido vermelho e o fazia tomar forma: o de uma mulher, usava lingerie, era enfim minha garota. Cada novo traço me mostrava que minha vingança estava completa e a alma dela estava livre.
O último traço do corpo completou o desenho, porém a tinta sangrenta não parou...
Agat, ou eu mesmo, olhou em meus olhos, fitei seus buracos negros, enquanto ouvia: “Esta é a cidade dos pecados... dos seus pecados!!!”
E uma palavra foi escrita sobre o corpo vermelho
DESGOSTO
Ah, minha pobre mulher... Fui eu quem matou nosso Amor?
Suspirei sete vezes:
O primeiro suspiro: A negação
Como... pude? Isto é uma grande mentira... Eu nunca faria isto!
O segundo suspiro: A raiva
O que deu de errado? Meus erros, meus erros idiotas... Ela também não se comunicava comigo! Que porra de casal fomos?
O terceiro suspiro: A barganha
Pode ser uma artimanha de Agat, não? Afinal, mesmo errando, eu a amei... E o Amor é sempre maior que qualquer outra coisa...
O quarto suspiro: A depressão
Viver? Como viver sem ela? Morrer? Por que morrer se minha honra nunca poderá ser lavada?
O quinto suspiro: A aceitação
Eu... falhei... Fiz o que pude para amá-la e aqui me encontro... sozinho...
O sexto suspiro o trouxe de volta ao bar da cidade cinza.
O sétimo suspiro estirpou sua existência.
Saturday, March 17, 2007
Monday, March 12, 2007
Só dá merda quando você se diverte pelado
Cabeça quente. Meu coração devia estar explodindo num TUM TUM TUM febril.
A vida perdeu toda a solidez, é agora um líquido liberando vapores - idéias e conceitos morais.
Sombras moveram-se sob a ausência de luz - sombras sem sentido de existir, ainda assim sombras. Um homem de batina - antes fosse uma mulher, veio com um chicote nas mãos. Ele surgiu de um redemoinho na parede, todo feito de sombra. Só eu o vi.
Pelados, estavam todos os filhos da revolução, sementes da liberdade. E o anti-libertário estava ali, e só eu o notava. Eu, nu como todos os outros, mas talvez ainda mais nu - sem armas.
A apatia daquele ser, seu olho que piscava amarelo, sua mente telecinética. Meu corpo fora tragado pelo seu pensamento e jogado ao chão - BLAM!.
Aranha na teia, aranha na teia, teia na aranha... O goblin maligno vindo em minha direção, uma abóbora sorridente.
Solidão debaixo da água encanada - BLUB, BLUB, TUM, TUM.
Hino da Liberdade - ARGHHH, ARHHH, OOOHH.
Amnésia temporariamente removida. FLASH! Uma luz fraca e azul no meu rosto - pela eternidade de uma tarde que não voltará mais. Ao lado do Homem De Batina, estava eu mesmo, embrutecido e mais concurda, forçando para baixo a cabeça de outro eu, só que este minha versão criança vestido de palhaço e com um junco cheio de sabão - triste e oprimido.
Descendo do teto, imaterial o espírito fantasma, o Caos Voador. Eu não podia vê-lo, nem escutá-lo. Falei com ele, o cuspi ao falar, mas ele se abria em buracos e as ondas sonoras passavam por eles direto pro ralo.
De dentro da lata de lixo, um rosto familiar saltou como um fantoche de uma caixa de surpresas. O rosto ficava rindo, a risada de um buttons em forma de smile - sem graça real, de tom acusatório, denunciador dos 'pecados'.
Por último, havia uma mulher venenosa, à minha imagem e semelhança, que sorria e me pedia devoção.
Em uma marcha imperiosa, o Sexteto veio, exalando gases, fazendo sinais de silêncio - SHHH!!!, preparados para devorar minha mente. E ele estava a apenas um centímetro, aspas formavam uma cruz na minha testa...
CLAK!
Uma mulher maravilhosa - uma das poucas, entrou na minha mente, e expulsou o sexteto, não sem dificuldades. E ela era apenas uma humana...
Cada um dos vilões foram expulsos, só que cada um deles se cortou nas paredes e portas e deixou um pedaço simbionte de si mesmo. Este pedaço se mesclou à minha carne.
Carrego dentro de mim este monstro, um incômodo explosivo. Como fazem os heróis, eu poderia me esconder para poupar o mundo da minha presença... Só que isto é bobagem! Vago entre os normais, e não sei até quando suportarei minha condição mutante...
SUSPIRO
SOMBRAS DENTRO DE SOMBRAS
A vida perdeu toda a solidez, é agora um líquido liberando vapores - idéias e conceitos morais.
Sombras moveram-se sob a ausência de luz - sombras sem sentido de existir, ainda assim sombras. Um homem de batina - antes fosse uma mulher, veio com um chicote nas mãos. Ele surgiu de um redemoinho na parede, todo feito de sombra. Só eu o vi.
Pelados, estavam todos os filhos da revolução, sementes da liberdade. E o anti-libertário estava ali, e só eu o notava. Eu, nu como todos os outros, mas talvez ainda mais nu - sem armas.
A apatia daquele ser, seu olho que piscava amarelo, sua mente telecinética. Meu corpo fora tragado pelo seu pensamento e jogado ao chão - BLAM!.
Aranha na teia, aranha na teia, teia na aranha... O goblin maligno vindo em minha direção, uma abóbora sorridente.
Solidão debaixo da água encanada - BLUB, BLUB, TUM, TUM.
Hino da Liberdade - ARGHHH, ARHHH, OOOHH.
Amnésia temporariamente removida. FLASH! Uma luz fraca e azul no meu rosto - pela eternidade de uma tarde que não voltará mais. Ao lado do Homem De Batina, estava eu mesmo, embrutecido e mais concurda, forçando para baixo a cabeça de outro eu, só que este minha versão criança vestido de palhaço e com um junco cheio de sabão - triste e oprimido.
Descendo do teto, imaterial o espírito fantasma, o Caos Voador. Eu não podia vê-lo, nem escutá-lo. Falei com ele, o cuspi ao falar, mas ele se abria em buracos e as ondas sonoras passavam por eles direto pro ralo.
De dentro da lata de lixo, um rosto familiar saltou como um fantoche de uma caixa de surpresas. O rosto ficava rindo, a risada de um buttons em forma de smile - sem graça real, de tom acusatório, denunciador dos 'pecados'.
Por último, havia uma mulher venenosa, à minha imagem e semelhança, que sorria e me pedia devoção.
Em uma marcha imperiosa, o Sexteto veio, exalando gases, fazendo sinais de silêncio - SHHH!!!, preparados para devorar minha mente. E ele estava a apenas um centímetro, aspas formavam uma cruz na minha testa...
CLAK!
Uma mulher maravilhosa - uma das poucas, entrou na minha mente, e expulsou o sexteto, não sem dificuldades. E ela era apenas uma humana...
Cada um dos vilões foram expulsos, só que cada um deles se cortou nas paredes e portas e deixou um pedaço simbionte de si mesmo. Este pedaço se mesclou à minha carne.
Carrego dentro de mim este monstro, um incômodo explosivo. Como fazem os heróis, eu poderia me esconder para poupar o mundo da minha presença... Só que isto é bobagem! Vago entre os normais, e não sei até quando suportarei minha condição mutante...
SUSPIRO
SOMBRAS DENTRO DE SOMBRAS
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