Saturday, March 17, 2007

A morte da dama fatal

Mesmo morta, ela tinha o perfume que os anjos deviam ter.
Minha garota estava no chão, vestida para matar, com sua cinta-liga, corsete e lingerie preta habitual. Sua pele branca, entrelaçada com o negro das roupas, era sufocante de se ver – sua beleza ofuscara minha visão por todos os anos que passamos juntos.
Seu corpo não estava tão branco quanto eu imaginava... e isto me sufocava ainda mais...
Algum animal carniceiro mordera-a, deixando roxo e amarelo seu pescoço, seus seios, sua barriga... e bem acima do umbigo deixara sua marca, dois chifres não-pontiagudos, parecidos com raios. Aquele era o símbolo de Agat, o Demônio da Carne.
Peguei minha katana e me dirigi à porta, e antes de atravessá-la, desabei. Lágrimas, as recorrentes lágrimas do desespero. Olhei para trás e vi aquele corpo que já fora meu e há pouco fora de outro. Como pôde ela ter morrido sem que eu nem visse nada? Havia três semanas que nós não transávamos e aquele monstro usufruíra o corpo prosolar dela... Como sempre, sinto minha tensão sexual aumentar, só de olhar minha mulher de ouro... Mesmo morta, só desejo ir para a cama com ela... Mas não terei mais chances de tê-la, de ter aquilo de mais secreto, íntimo e prazeroso que tivemos... Agat merecia a morte.
Andando pelas ruas da cidade cinza, minha alma pesou como uma bigorna. Pessoas se apertavam, caçando cérebros, caçando prazeres, caçando sexo. Ninguém procurava a verdadeira emoção. Eram todas pessoas com medo do verdadeiro sentimento. Eu, que conhecera a fundo o Amor, sabia daquele Vazio que proliferava entre os seres urbanos.
Eu caminhava, procurava Agat, só que não sabia onde ele morava. Sentei na mesa de um bar, eu gostaria de saber o que fazer. Lembrar do meu anjo só cortava e recortava meu pobre coração... Apesar dos pesares do nosso relacionamento, minhas inconstâncias, nossas incompatibilidades e seus desejos avançados, fora um bom relacionamento. Pena, ela ter morrido sem que me desculpasse de meus erros e sem que transássemos pela última vez.
Já começava a imaginar Agat a dominando, provavelmente ela tinha até gostado, até a morte. Então, concentrei-me e senti sono. Resolvi adormecer os sentidos.
Eu estava voando sobre um dragão chinês e entrei em um palácio japonês com decoração coreana. O dragão chorava, dizia-me que morreria através do sonho de alguém. Não entendi o que ele quis dizer mas me padeci dele. Eu estava num grande salão, o dragão me deixou em frente a um portal que se estendia em um correr e me falou: “Siga em frente. Agat o espera”. Voltei-me, eu olhava o horizonte do corredor, e esbravejei: “Servo de Agat, como ousas...?”. O dragão já tinha ido embora.
Adentrei o corredor, iluminado por archotes, e sentia a respiração de Agat ao fundo. Nas laterais do corredor estavam pintados demônios orientais, xingamentos ocidentais e cenas do inferno. Tremendo, de raiva, vingança e apreensão, atingi o final do corredor.
Entrei em um apartamento típico do hemisfério oeste do globo. Estava numa sala onde não havia mobília, nem luz elétrica, apenas uma janela por onde entrava o luar, fraco. De repente, um raio desceu os céus e iluminou brevemente o ambiente e eu vi uma forma disforme no canto da sala. Ela pareceu possuir chifres.
“Agat!!! Vim me vingar pelo que fez com minha mulher! Vou te matar!”
A voz cavernosa bramiu: “Se queres ser ouvido, falas mais lentamente, guerreiro!”
Meu ponto fraco, aquele monstro me provocava, enquanto rangia sua dentição e preparava o bote. Expus-me a seu plano, lançando-me contra ele, sem medo, com ousadia. A katana suingou, apalpando o ar, mordendo o veludo e errando desastrosamente o alvo dela. Como tudo que passava desde a morte de minha amada, eu só enxergava sombras e mais sombras, imateriais e inexatas no espaço. Elas pareciam reflexos do que eu não conseguia aceitar.
Após bailar rodeado por fulgurantes sombras, percebi-me tonto e tentei me apoiar na parede. E então, minha coluna rachou como concreto e eu senti o peso dos anos e das culpas. Como sempre, um problema fisga o outro, e meus dentes despencaram, minha orelha desatinou a ruir, meu joelho cedeu e eu caí de joelhos. Agat gargalhou, e archotes queimaram, um a um em uma longa fileira de tochas. Cada fonte de luz revelava um pouco de meu inimigo: primeiro seus joelhos e pernas, estava ajoelhado; seus braços e mãos, como as de humano; cabelo...?!?!? Nenhum chifre; torso, estava de jeans e camisa preta como eu; rosto...
CHOQUE
Era meu rosto, eu também estava ajoelhado, com minha katana de lado.
“Ora, és o Demônio da Carne, assumir formas não é incomum para tu!”
Agat estava impassível. Gritei e tentei me levantar, mas minha carcaça debilitada era uma estátua. O terrível ser a minha frente sorriu com desdém – e droga, eu não conseguia ver seus olhos, apenas buracos negros. Ele devia ter rido, enquanto comia minha mulher!
A espada, a outra katana semelhante a minha, foi empunhada contra seu próprio dono. Harakiri...
SLASH!!!
Sangue em conta-gotas deslizou pela camisa preta e atingiu o chão. E o solo, como uma chapa quente, fervilhava o líquido vermelho e o fazia tomar forma: o de uma mulher, usava lingerie, era enfim minha garota. Cada novo traço me mostrava que minha vingança estava completa e a alma dela estava livre.
O último traço do corpo completou o desenho, porém a tinta sangrenta não parou...
Agat, ou eu mesmo, olhou em meus olhos, fitei seus buracos negros, enquanto ouvia: “Esta é a cidade dos pecados... dos seus pecados!!!”
E uma palavra foi escrita sobre o corpo vermelho

DESGOSTO

Ah, minha pobre mulher... Fui eu quem matou nosso Amor?

Suspirei sete vezes:

O primeiro suspiro: A negação

Como... pude? Isto é uma grande mentira... Eu nunca faria isto!

O segundo suspiro: A raiva

O que deu de errado? Meus erros, meus erros idiotas... Ela também não se comunicava comigo! Que porra de casal fomos?

O terceiro suspiro: A barganha

Pode ser uma artimanha de Agat, não? Afinal, mesmo errando, eu a amei... E o Amor é sempre maior que qualquer outra coisa...

O quarto suspiro: A depressão
Viver? Como viver sem ela? Morrer? Por que morrer se minha honra nunca poderá ser lavada?

O quinto suspiro: A aceitação

Eu... falhei... Fiz o que pude para amá-la e aqui me encontro... sozinho...

O sexto suspiro o trouxe de volta ao bar da cidade cinza.

O sétimo suspiro estirpou sua existência.

Monday, March 12, 2007

Só dá merda quando você se diverte pelado

Cabeça quente. Meu coração devia estar explodindo num TUM TUM TUM febril.
A vida perdeu toda a solidez, é agora um líquido liberando vapores - idéias e conceitos morais.
Sombras moveram-se sob a ausência de luz - sombras sem sentido de existir, ainda assim sombras. Um homem de batina - antes fosse uma mulher, veio com um chicote nas mãos. Ele surgiu de um redemoinho na parede, todo feito de sombra. Só eu o vi.
Pelados, estavam todos os filhos da revolução, sementes da liberdade. E o anti-libertário estava ali, e só eu o notava. Eu, nu como todos os outros, mas talvez ainda mais nu - sem armas.
A apatia daquele ser, seu olho que piscava amarelo, sua mente telecinética. Meu corpo fora tragado pelo seu pensamento e jogado ao chão - BLAM!.
Aranha na teia, aranha na teia, teia na aranha... O goblin maligno vindo em minha direção, uma abóbora sorridente.
Solidão debaixo da água encanada - BLUB, BLUB, TUM, TUM.
Hino da Liberdade - ARGHHH, ARHHH, OOOHH.
Amnésia temporariamente removida. FLASH! Uma luz fraca e azul no meu rosto - pela eternidade de uma tarde que não voltará mais. Ao lado do Homem De Batina, estava eu mesmo, embrutecido e mais concurda, forçando para baixo a cabeça de outro eu, só que este minha versão criança vestido de palhaço e com um junco cheio de sabão - triste e oprimido.
Descendo do teto, imaterial o espírito fantasma, o Caos Voador. Eu não podia vê-lo, nem escutá-lo. Falei com ele, o cuspi ao falar, mas ele se abria em buracos e as ondas sonoras passavam por eles direto pro ralo.
De dentro da lata de lixo, um rosto familiar saltou como um fantoche de uma caixa de surpresas. O rosto ficava rindo, a risada de um buttons em forma de smile - sem graça real, de tom acusatório, denunciador dos 'pecados'.
Por último, havia uma mulher venenosa, à minha imagem e semelhança, que sorria e me pedia devoção.

Em uma marcha imperiosa, o Sexteto veio, exalando gases, fazendo sinais de silêncio - SHHH!!!, preparados para devorar minha mente. E ele estava a apenas um centímetro, aspas formavam uma cruz na minha testa...
CLAK!
Uma mulher maravilhosa - uma das poucas, entrou na minha mente, e expulsou o sexteto, não sem dificuldades. E ela era apenas uma humana...
Cada um dos vilões foram expulsos, só que cada um deles se cortou nas paredes e portas e deixou um pedaço simbionte de si mesmo. Este pedaço se mesclou à minha carne.

Carrego dentro de mim este monstro, um incômodo explosivo. Como fazem os heróis, eu poderia me esconder para poupar o mundo da minha presença... Só que isto é bobagem! Vago entre os normais, e não sei até quando suportarei minha condição mutante...
SUSPIRO
SOMBRAS DENTRO DE SOMBRAS